Saudades daqueles
que se aproximavam de minha jaula, daquela multidão que farejava o meu perfume
e me devorava com os olhos, arrancava pedaços de carne pura, perfurava a minha
alma e mordia o meu coração.
Quando eu ainda era muito jovem para prosseguir,
mas muito velho para fugir com o circo.
E você me parecia outro animal enjaulado, solitário, estendendo as duas mãos em minha direção.
Saudades da tragicidade daquele meu pequeno espetáculo fúnebre, as pessoas se acotovelavam para enxergar-me melhor, o homem enlouquecido, roubar-lhe um pouco da monstruosidade que fez dele o pouco que pôde ser.
Quando os meus ouvidos eram por demais velados para notar os seus passos vindo do fim do túnel.
E você segurava o meu corpo contra o seu, tempestade e ímpeto, pressionava-me com a força de um igual.
Saudades das arquibancadas repletas de juízes que me condenavam pelos diversos crimes que não cometi, mas que me faziam humano diante de meus processos, que me beliscavam para perceber que havia vida.
Quando os meus ouvidos eram surdos para o seu eco de prisioneiro, eu abafava os seus gritos.
E você beijava os meus lábios túrgidos através das grades, enquanto meus outros sentidos o ignoravam.
Saudades das dores, das verdades que desabavam sobre a minha cabeça leve para me acordar, para me arrancar do sono profundo da infância, provar do fruto proibido e me perder no inferno que os outros me proporcionaram.
Quando eu não havia percebido que você havia me tocado mais fundo do que eu imaginava ser possível.
E você ainda procurava a minha cama quente para se proteger do longo inverno de seu túnel.
Saudades daqueles rostos diferentes que formavam um todo homogêneo, uma colcha humana, traços que se desfaziam em um quadro, risos que desapareciam, copos e garrafas no chão, de repente o silêncio.
Quando me dei conta de que estava preso em um túnel só meu, eu estava só em minha cela.
E você me olhava de cima como que para brincar com um fantoche, depois fugia, existia de longe.
Saudades de quando eu conseguia respirar um pouco de ar fora desse túnel, camuflar-me entre os iguais, tornar-me um ordinário, fingir-me normal, dançar conforme a música, dançar.
Quando soube que você não tinha um túnel para atravessar o meu, que você era meu por um milésimo de segundo.
E você mexia comigo para se distrair, enquanto fosse conveniente, para depois ir embora.
Saudades de quando eu pensava que você voltaria, sabia que era daqueles que existiam fora do túnel, mas ainda assim gostaria que continuasse brincando com os meus anseios, fazendo correr sangue em minhas veias.
Quando você me fazia pensar que era puríssimo desejo, que lia a minha mente e me aguardava.
E você me derrubou do alto de meus sonhos para cair no túnel, sozinho, enquanto partia sem possibilidade de retorno.
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