É melancólico o ocaso de Paulo Guedes. Tornou-se um ministro neurótico lidando com um presidente psicótico. Operando no modo eleitoral, o titular da Economia constrói um castelo no ar. Candidato à reeleição, Bolsonaro mora nele. E os brasileiros, submetidos aos efeitos da volta da inflação, pagam o aluguel.
A agenda liberal de Guedes virou suco. Em
entrevista à Jovem Pan, o ministro atribuiu a liquefação dos seus planos ao
ruído eleitoral. "Estávamos andando no caminho certo. Aí começou todo o
barulho de dor da luta, a CPI, tentativa de impeachment do presidente, como é o
barulho político. Está sendo antecipada a eleição. A eleição, que é para o ano
que vem, foi antecipada para este ano.
Ao atribuir a antecipação do calendário eleitoral à
CPI da Covid e aos defensores do impeachment, Guedes insinua que seu chefe não
tem nada a ver com o fenômeno. Entretanto, sob Bolsonaro nada transformou-se
numa palavra que ultrapassa tudo.
"A pressão está muito grande para que, se eu
estiver bem, que me candidate à reeleição", disse o presidente em abril de
2019, quando seu governo acabara de fazer aniversário de 100 dias. A campanha
eleitoral de 2018 ainda estava fresca na memória dos brasileiros. Nela,
Bolsonaro havia jurado ao eleitorado que não disputaria um segundo mandato.
Decorridos apenas quatro meses de uma Presidência que se revelou precária desde
o início, mudou de ideia.
Barbaridades e cambalhotas Bolsonaro sabia o que
estava fazendo, pois reafirmou nesta manifestação de abril de 2019 que a
reeleição tem sido "péssima" para o país. Afirmou que os governantes
"se endividam, fazem barbaridade, dão cambalhota" para se reeleger.
Mas deixou claro que já não cogitava pegar em
lanças pelo fim da reeleição. Alegou que não cabia a ele, mas ao Congresso
promover uma reforma que apagasse a reeleição do ordenamento jurídico. Agora,
confundindo memória fraca com consciência limpa, Paulo Guedes soou desconexo na
conversa com a Jovem Pan: "A democracia brasileira é barulhenta, as
instituições são sólidas, são resilientes. Mas os atores às vezes se
excedem."
O ministro revela-se capaz de tudo, exceto de
enxergar um culpado na fisionomia do seu chefe. Os excessos de Bolsonaro vão do
questionamento à lisura das urnas que o elegeram até a ameaça golpista de
cancelamento da eleição, passando pelos insultos que resultaram no surgimento
de inédita crise com o Judiciário. Guedes ainda não notou. Mas tornou-se um
ministro tristemente anedótico.
É como se o fracasso lhe subisse à cabeça. Desce ao
verbete da enciclopédia como a primeira piada a comandar a pasta da Economia.
Há três meses, numa entrevista à Folha, sentou praça no comitê eleitoral do
capitão. E passou a executar as "cambalhotas" que Bolsonaro antevia
em 2019.

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