Numa fase em que o sistema político brasileiro vira a página do esforço anticorrupção para trás, a Câmara teve um surto pilântrico. Por 408 votos a 67, os deputados suavizaram a Lei de Improbidade, ladrilhando o caminho que conduz à impunidade. A coisa foi feita em ritmo de tocaia, sem passar por comissão e audiência pública.
Na
principal mudança, decidiu-se que o agente público só poderá ser processado por
improbidade se ficar comprovado que ele agiu com intenção de cometer a
ilegalidade. Hoje, ações ou omissões desonestas configuram improbidade
administrativa. Não importa se quem cometeu a ilegalidade foi descaradamente
desonesto ou apenas inepto. O Ministério Público talvez tenha de abrir vaga
para psicólogos, se tiver de verificar se os delinquentes tiveram ou não a
intenção de delinquir.
Suponha,
por exemplo, o caso de um administrador público que, em meio a uma pandemia,
resolva torrar milhões na compra de um medicamento ineficaz no combate a vírus
letal, negligenciando a aquisição de vacinas. Esse gestor hipotético pode se
livrar de ações por improbidade se alegar que agiu com boa intenção. Comprou o
medicamento ineficaz porque alguns médicos o receitavam. Demorou a comprar
vacinas por receio de que os imunizados virassem jacaré. Pode ser acusado de
maluco, não processado por improbidade.
Alega-se
que a lei de improbidade, velha de três décadas, pede uma modernização.
Admitindo-se que o argumento seja verdadeiro, cabe perguntar: precisava aprovar
em oito minutos uma tramitação em regime de urgência? Era mesmo necessário
liquidar a fatura 24 horas depois, sem que a proposta passasse pelas comissões?
Custava realizar meia dúzia de audiências públicas?
O
acordo que submeteu o interesse público a uma tocaia foi costurado pelo
presidente da Câmara, Arthur Lira, pajé do centrão, condenado um par de vezes
por improbidade, com três ações ainda por julgar. Dissolveram-se as
divergências. Deram-se as mãos gregos e tucanos, petistas e bolsonaristas.
Encaminharam contra o interesse público 17 partidos. Apenas três se
posicionaram contra: PSOL, Novo e Podemos.
A
proposta seguiu para o Senado. A chance de reversão é pequena, porque o
Congresso vive uma fase de perda de recato. Depois que a Lava Jato foi enviada
ao forno, os políticos passaram a se esquecer de maneirar. O Congresso, como se
sabe, é vital à democracia. Mas a cleptocracia brasileira parece dar razão ao
ex-chanceler alemão Otto von Bismarck, que dizia no século passado: "É
melhor o povo não saber como são feitas as leis e as salsichas."
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