O comando da CPI da Covid irritou-se com o timbre escorregadio utilizado pelo ministro Marcelo Queiroga. Bem ensaiado, o doutor repetiu à exaustão que não lhe cabe fazer "juízo de valor" sobre opiniões de Bolsonaro ou "avaliar" providências adotadas pelos ministros que o antecederam no Ministério da Saúde.
Os membros da CPI ainda não se deram conta. Mas o
depoimento de Queiroga foi tão corrosivo para a imagem de Bolsonaro quanto as
falas de Henrique Mandetta e Nelson Teich.
Em um ano e dois meses de pandemia, o governo
Bolsonaro teve quatro ministros da Saúde. Dois deles —Mandetta e Teich— foram
abatidos em meio a enredos que tiveram a cloroquina como gatilho.
Significa dizer que, no comando da pasta da Saúde,
o remédio que Bolsonaro receita para o tratamento precoce da covid-19 tem uma
taxa de mortalidade de 50%, bem maior do que o índice de letalidade do
coronavírus no Brasil.
Arrastado para o banco da CPI, Queiroga, o quarto
ministro da pandemia, desenvolveu uma vacina capaz de imunizá-lo contra o vírus
da cloroquina. Ele foi espremido para revelar sua opinião médica sobre a
obsessão do leigo Bolsonaro pela cloroquina.
O doutor esclareceu que importante mesmo na
pandemia é a vacinação. E disse ter encomendado uma posição sobre a cloroquina
à Conitec, Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.
Diante da insistência dos inquiridores da CPI,
Queiroga alegou o seguinte: não pode emitir "juízo de valor" a
respeito da eficácia do remédio porque, como ministro, ele pode ter que decidir
sobre eventuais recursos contra o protocolo que será elaborado a partir da
decisão da Conitec, que é um órgão do próprio Ministério da Saúde.
Ao sustentar na CPI que a legislação condiciona a
edição de protocolos médicos do Ministério da Saúde à análise da Conitec, um
órgão técnico, o ministro Queiroga acabou expondo a fragilidade da posição de
Bolsonaro.
Ficou subentendido que, por ordem do presidente da
República, o governo adquiriu insumos para a produção de cloroquina, o
laboratório do Exército fabricou o remédio em escala industrial e a pasta da
Saúde distribuiu um medicamento ineficaz no tratamento da covid por meio da
rede hospitalar do SUS.
Tudo isso à revelia de procedimentos legais que só
agora, com mais de um ano e quatro ministros de atraso, a pasta da Saúde
decidiu observar. Ou seja: ao se vacinar contra a polêmica, o doutor Queiroga
acabou fornecendo material para a CPI, inoculando o vírus da prescrição
ideológica da cloroquina no organismo de Bolsonaro.
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