Lula e Bolsonaro, os dois polos da sucessão de 2022, encontraram um inusitado ponto de intersecção: a casa de José Sarney. É como se os interesses paralelos da esquerda e da direita se encontrassem no epicentro do arcaísmo infinito da política brasileira.
Bolsonaro esteve na mansão brasiliense de Sarney na
última terça-feira. Pediu o encontro para fazer um aceno ao MDB de Renan
Calheiros, o relator da CPI da Covid. O capitão descobriu que, no Senado, a
aliança com o centrão não é suficiente para proporcionar uma blindagem plena.
Lula visitará Sarney nesta semana. Solicitou a
conversa para sinalizar que não cogita manter sua candidatura presidencial num
gueto petista. Fará concessões ao MDB e ao diabo —que muitos acreditam ser a
mesma entidade. Não importa que o partido de Michel Temer e Eduardo Cunha tenha
derrubado Dilma Rousseff.
Lula permanecerá em Brasília pelo menos até
quinta-feira. Cogitava encontrar também Renan Calheiros, com quem conversa
amiúde por telefone. Mas Renan achou melhor adiar o encontro, para não dar
munição aos bolsonaristas que o acusam de falta de isenção na relatoria da CPI.
Noutros tempos, quem observasse um ponto imóvel da
política brasileira por tempo indeterminado veria o Sarney passar inúmeras
vezes, em várias direções. Hoje, basta ficar sentado na frente da mansão de
Sarney por uma semana para ver acontecer de tudo, inclusive Lula e Bolsonaro
pedindo a bênção ao morubixaba do MDB.
Em 21 de dezembro de 2014, Sarney escalou a tribuna
do Senado pela última vez. Pronunciou o que deveria ter sido um discurso de
despedida. Somava, então, 84 anos e seis décadas de uma vida pública que lhe
proporcionou uma vistosa prosperidade privada.
Os incautos imaginaram que estivessem diante de um
aposentado. Mas se a romaria à casa de Sarney revela alguma coisa é que o
personagem tornou-se, por assim dizer, inaposentável. Hoje, tem 91 anos. E quase
sete décadas de política.
A reincidência de Sarney é uma das mais sólidas
evidências da inconsequência que reina na política do Brasil, um país onde nada
tem história e ninguém tem biografia. O poder de Sarney incorporou-se ao
folclore político. Como todo enredo folclórico, ele se autoalimenta,
independentemente dos fatos.
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