Tornou-se comum no Brasil ouvir reclamações sobre a judicialização da política. Observa-se no momento o inverso: a politização da Justiça. Para o bem e para o mal, o Supremo Tribunal Federal se mete com incômoda frequência nos rumos da conjuntura política e no cotidiano do governo federal. A política brasileira opera sob os reflexos do 'Fator STF'. Submetido a ordens cada vez mais frequentes de ministros da Suprema Corte, o Poder Executivo faz por pressão o que se absteve de realizar por opção.
Há dois anos, a Lava Jato pulsava, Bolsonaro se
preparava para tomar posse como um autoproclamado paladino da moralidade e Lula
era um presidiário sem perspectivas. Isso tudo mudou. Graças ao Supremo, a
força-tarefa de Curitiba é um fenômeno moribundo, Sergio Moro carrega na
biografia uma tarja de "juiz suspeito", Lula está de volta aos
palanques e Bolsonaro promove a indicação de togas amigas para blindar a si
mesmo e à família.
Num fenômeno potencializado pela pandemia, o
Supremo passou a impor ao governo federal providências comezinhas. Provocados
por governos estaduais, partidos políticos ou pela defensoria pública, os magistrados
interferem na rotina do governo.
Marco Aurélio Mello ordena a realização do censo do
IBGE a pedido do Maranhão, que havia sido cancelado. Rosa Weber manda a União
pagar leitos de UTI, ordena o fornecimento de sedativos para intubação. O
plenário do Supremo determina o pagamento de uma "renda básica de
cidadania" a pessoas extremamente pobres. Ricardo Lewandowski interfere
até na ordem da fila de vacinação. Luís Roberto Barroso avaliza um plano de
assistência sanitária a povos indígenas.
Houve um tempo em que o sistema governamental
brasileiro se dividia em três poderes: Exército, Marinha e Aeronáutica. Numa
fase mais moderna, a democracia passou a ser constituída por quatro poderes: o
Legislativo, o Executivo, o Judiciário e o dinheiro, poder que pairava sobre
todos os outros.
O surto de intromissão do Judiciário no Executivo é
absolutamente inusual. Decorre mais da ineficácia negacionista do governo do
que do ativismo do Supremo. É como se Bolsonaro ignorasse os mais triviais princípios
da política. Quem só ambiciona o poder futuro erra o alvo. Quem não ambiciona o
exercício do poder presente em sua plenitude vira o alvo. Aos pouquinhos,
Bolsonaro vai transformando o Executivo numa espécie de puxadinho do prédio do
Supremo.
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