A morte é anterior a si mesma. Começa bem antes do sepultamento. É todo um lento processo. A Lava Jato, por exemplo, começou a morrer no final de 2018, quando Sergio Moro trocou o altar de Curitiba pelo serpentário de Brasília. O velório acontece agora na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Já está entendido que Sergio Moro não vai para o céu.
"Como
ministro ele poderia ter maiores chances de influenciar a história", disse
Deltan Dallagnol em entrevista ao UOL. De fato, essa parecia ser a intenção.
Dias antes de assumir o novo cargo, Moro disse que estava "cansado de
levar bolas nas costas" como juiz da Lava Jato. Ele exalava confiança:
"Eu não assumiria um papel de ministro da Justiça com o risco de
comprometer a minha biografia, o meu histórico", declarou na ocasião.
Por mal dos pecados, o lançamento de bolas nas
costas de Moro tornou-se uma espécie de esporte preferido de Jair Bolsonaro.
Para complicar, vieram à luz as mensagens trocadas entre Moro e os procuradores
da força-tarefa de Curitiba. "Todo bom advogado e promotor conversa com
juízes para apresentar argumentos e fazer pedidos", declarou Deltan.
Nas palavras do ex-coordenador da Lava Jato,
"a forma dessas conversas com juízes —se acontecem em reuniões, por
telefone ou mensagens—, não importa. O que importa é se as conversas são
republicanas... E sempre foram", diz ele. Não há no conteúdo da
comunicação eletrônica da Lava Jato nenhum vestígio de fabricação de provas.
Mas "republicanas não é a melhor palavra para qualificar as mensagens.
Quem melhor definiu o grupo de mensagens da Lava
Jato foi o procurador Orlando Martello. Ex-integrante da força-tarefa, ele
desabafou para os colegas num e-mail de fevereiro. Disse que o aplicativo do
celular era "uma área livre, uma área de descarrego" em que os
envolvidos na investigação expressavam "emoção, indignação, protesto,
brincadeiras". Ele fez uma analogia com "um ambiente de
botequim." E reconheceu: "Podemos ter extrapolado muitas vezes."
Em seis anos de existência, a Lava Jato investigou, condenou e prendeu a fina flor da oligarquia político-empresarial do país. O impeachment de Dilma e a prisão de Lula deram a Sergio Moro e aos rapazes da força-tarefa uma sensação de invulnerabilidade. Ferida, a aliança que saqueou os cofres públicos jogava com o tempo. Culpados e cúmplices esperavam pelo dia em que a cruzada anticorrupção viraria um assunto chato. O vazamento das mensagens forneceu o material que faltava para a reação.
A anulação das
condenações de Lula e o provável reconhecimento da suspeição de Moro pela
Segunda Turma do Supremo marcam o início da fase pós-Lava Jato. Há em Brasília
um esforço para a restauração a imoralidade. Nesse ambiente, é desalentadora a
constatação de que os responsáveis pela maior operação anticorrupção da
história comportavam-se como adolescentes num grupo em que as conversas
transcorriam em atmosfera de boteco.
É igualmente perturbador notar que os coveiros do
Supremo confraternizam com réus e dão de ombros para as consequências de suas
decisões sobre as 278 condenações decretadas em Curitiba, as sentenças que
somam 2.611 anos de cadeia, os corruptos confessos, a profusão de provas, os R$
4 bilhões roubados que já retornaram aos cofres públicos.
O brasileiro começa a se perguntar: afinal, os
escândalos de corrupção vêm para o bem ou para o mal? O acúmulo roubalheiras
significa que o país afunda cada vez mais em seus vícios? Ou, ao contrário, o
fato de as denúncias virem à luz é um sinal de que o Brasil evolui no caminho
da moralidade?
A sensação é de cansaço. Imaginou-se que o
impeachment de Collor seria um marco redentor. Vieram na sequência o escândalo
dos anões do Orçamento; o caso dos sanguessugas; a Operação Castelo de Areia,
abatida em pleno voo; o mensalão; o petrolão; o tríplex e o sítio; as
rachadinhas e as rachadonas... Se o fim melancólico da Lava Jato serve para
alguma coisa é para demonstrar que, no Brasil, nada se cria, nada se
transforma, tudo se corrompe.
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