Desde que Milton Ribeiro chegou à Esplanada, tem-se a sensação de que o Nada despacha no principal gabinete do Ministério da Educação. Tenta-se alcançar o ministro com os olhos. Tenta-se enxergá-lo em seu assento. Inútil. O olhar atravessa o Nada e vai bater no couro do espaldar da poltrona.
Desejava-se um ministro menos espalhafatoso do que Abraham Weintraub. Mas Jair Bolsonaro exagerou. Agora, só de raro em raro o ministro da Educação abandona sua invisibilidade. Ressurge em grande estilo, como se desejasse provar que existe.
A portaria em que o professor Ribeiro mandou que as universidades federais retornem às aulas em janeiro revelou-se uma inutilidade intrigante e desmoralizante.
É inútil porque as
universidades dispõem de autonomia administrativa. Intriga porque reabre as
salas de aula em meio ao recrudescimento da pandemia. Desmoraliza porque o
ministro descobre que a imposição da sua vontade pela força é seguida pela
perda da força. A portaria, natimorta, durou poucas horas.
Há no MEC problemas de dois tipos. Os problemas do governo e os problemas da sociedade. O Brasil convive com o quarto ministro da Educação da Era Bolsonaro. E esses dois mundos ainda não se tocaram. Imaginou-se que o ministro Ribeiro, egresso do meio universitário, interromperia a mania do governo de apertar o nariz de reitores. Com sorte, dialogaria. A edição da fatídica portaria mostrou que os canais continuam obstruídos.
Há dois meses, numa entrevista que concedeu ao Estadão, Milton Ribeiro disse concordar com a tese segundo a qual a pandemia escancarou as desigualdades educacionais. Mas achava que não tinha nada a ver a questão. "Esse não é um problema do MEC, é um problema do Brasil. (...) Vai fazer o quê? (...) Não foi um problema criado por nós."
Recém-chegado ao cargo, o ministro também concordava que a má distribuição da internet é uma dificuldade. Mas avaliava que a encrenca não lhe dizia respeito. "Esses são problemas sociais, que eu não tenho como responder. Vão afetar a escola, mas isso aí já é para um outro departamento, de assistência. Não tenho como resolver isso."
Entrando-se nos temas que o ministro avaliou que lhe dizem respeito, descobriu-se que ele quer valorizar os professores, mas não esclarece de que cartola vai retirar o dinheiro. Ribeiro estava atento à base nacional comum curricular, que precisa ser atualizada até 2023. Mas os pontos que o inquietavam eram: a ideologia, um vídeo que dizia ter visto no YouTube exibindo meninas aprendendo a colocar camisinha com a boca e a "homossexualidade", que ele respeita mas não considera normal —é coisa de "família desajustada".
De resto, o ministro mandara revisar os livros didáticos. Não acha justo que a ditadura militar seja retratada pela historiografia como ditadura. A entrevista do ministro provocou um certo tédio e algum espanto. Entediou porque repetiu, em timbre menos estridente, o lero-lero de antecessores. Assustou porque imaginou-se que já estivesse entendido que essa conversa de guerra ideológica não resolve os problemas da Educação. Há no MEC problemas de dois tipos. Os problemas do governo e os problemas da população. Já estamos no quarto ministro da Era Bolsonaro. E esses dois mundos ainda não se tocaram.
No mundo real, há um país por fazer. Esse país clama por qualificação e produtividade. Coisas que não serão obtidas senão com uma educação de excelência. Mas o governo está preocupado com seus fantasmas ideológicos, com a camisinha, com a orientação sexual dos alunos e com a maquiagem da história. Esse cenário se ajusta à célebre metáfora de Hegel, sobre a "Coruja de Minerva que só voa quando o crepúsculo chega", significando que só podemos entender o tempo em que vivemos quando ele já tiver se esgotado.
Mantido o cenário atual,
em que o ministro da Educação imagina que pode mandar abrir universidades na
pandemia sem conversar com os reitores, a compreensão só virá quando já for
tarde demais. Sob Bolsonaro, o MEC enferrujou.
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